domingo, 17 de maio de 2009

Geométricas






Poema mofado

Dói-te este trevo o qual aperto
(destino que grita entre os dedos
daquele que julgas ser certo)?
Sentes na língua o beijo azedo
que tu sempre terás por perto?
Cuida que o dia acabe cedo
ou não te tardará o costume
de pensar do sol fiel amigo
sorrindo o seu célere lume
da juventude sem perigo.
Contudo, não há um imune
ao vulto escuro do inimigo
no qual todos nós nos tornamos
ao acordarmos para a noite.
Sim, é breve aquele sol que amo
o afago é cúmplice do açoite,
o amor brota de um fino ramo
que cede ao peso da sonoite!


Acorda logo para o escuro
antes de pensar tudo claro -
abraçar-te-ei no futuro
sabendo do custo mais caro
que é nutrir um amor puro
sem para outro alguém ter faro?
Vive então a nobre penumbra
de quem não magoou ainda,
de quem se entrega e se deslumbra
e quer da vida uma eterna vinda,
sem ter da nuvem que obumbra,
sem ter uma mera idéia finda.
Mas faz logo com que se note
essa sombra que irá baixar
tão cedo uma peçonha brote
nesse nosso pequeno lar
e de chofre teu peito volte -
vazio - a buscar um novo ar.

domingo, 10 de maio de 2009

(três haicais feiinhos)



Um pio na janela.
Andorinha, que demora!
Colho o sopro dela.







Molha-me o teu céu:
noto os is que me esqueci
de por sob os pingos.







Um âmbar no galho,
mero concreto da flor.
De quem é a lágrima?



terça-feira, 5 de maio de 2009

Não consigo escrever

não consigo escrever
como o solo não evita o raio
a vida não percebe a lápide
e o caçador não nota que alvejar a presa
é apenas
um dos começos de uma história.

não consigo escrever
porque não me prescrevo talento
porque o arcoíris passou de deusa
para fenômeno para bandeira para pandemia
porque tudo que se fala tudo que se cheira tudo que se excreta
tudo que se sente no orgasmo de olhos abertos e boca fechada
não está repleto
não está inteiro
como pensaram os roteiristas.

apenas repito
que não consigo escrever
como se repetem minhas células
minhas cédulas minha crédulas digitais
como se deduzem fórmulas a partir de genitores de bigode
para findar em resultados
infinitamente redundantes
gerações que ora se barbeiam
ora não
de suas intenções.

não consigo escrever
pois não há um assunto
não há uma capacidade uma potência ou sequer o tempo
a estação propícia
uma arma que dispare
através das brancas páginas que residem sob minhas pálpebras
e revele enfim
que em nada mais existe um sentido
exceto nesses cinco ou seis minutos
que me restam para amar
ou para dormir.