domingo, 22 de novembro de 2009

Nunca soube como escolher o que publicar aqui, nunca existiu critério. Apenas uma vontade engraçada - e cá estava. Vontade esta logo seguida por um sentimento de incompletude, de irrealização, o qual me sabia após cada novo poema exposto. Este, fez-me modificiar extensamente todos os escritos, alguns quase por completo, outros ainda muitos meses após sua primeira versão.

Só muito tarde, quase hoje, é que notei a razão que me fazia decidir tanto o que publicar, quanto o que modificar: tudo aqui, fim de contas, é igual. Tudo se pertence. Tudo é unido; cada letra é a mesma da próxima letra, que é a mesma daquela que acabei de escrever nesta linha.

Sem saber direito, aos poucos destilei um amálgama, um colorido pleonasmo.

Desta forma, por um ano decorri sobre infinitos aspectos de uma mesma coisa: cada rima aqui escrita não passa de repetição. Cada poema não é uma granada, nem sequer é um poema. Nem meio-poema.  Tudo que atinge sua vista, cada cor, símbolo e brilho: talvez isto, sim, tudo ao mesmo tempo, seja um princípio de poesia.

Noto, também, que a linha que costura por entre todos esses versos não mais prevalece. A confecção deste projeto, apesar de, a meu ver, inacabada, precipita um insistente fim. E aqui o declaro, então: fim.

Mas lembro: caso queiram ler, façam-no sem atenção. Apenas vejam cada frase como irmã da outra, cada vírgula como uma célula de um organismo. E tentem não se entendiar demais.

domingo, 8 de novembro de 2009

Sinfonia oca: Α

Cortinas numa janela escondem o passeio
de alguém sentado
em rodas -
brincam nas palmas as moedas
da ilusão.

O céu a chuva o rio
o riso a flor a morte
- cuidado,
muito
cuidado

com as farpas
do carinho

com as mágoas
que cosem

o véu
impuro
do caminho...

Sentem os calos?
Vocês sentem
os calos
nos dedos
na cara
na calma
no resto?

Apáticos blocos de concreto
aventurando-se a ter alma---
conhecendo o mar
conhecendo o amar;
mas sem saber
como
nem
o porquê

(apenas que é
em vão).

Sinfonia oca: β

Mistérios de soslaio: lembrança
daquelas coisas
que vão mas que
voltam
aonde sentem que nasceram:
bichos
encouraçados, bestas
no desconhecido
surfando as ondas
do seu próprio poço:

vão e
voltam

vão

e voltam

vão

e

vol

tam

-

leigas, lógicas
lésbicas -

no fundo do poço há ondas:
esses bichos
que sempre
voltam.

Sinfonia oca: Γ

O punhal clama por um brinde
desenha palavras de criança
e revela o nome da droga.

Um plástico saco se joga -
a mente voa e no vale dança:
folha que sua árvore prescinde.

Garoto; mortalha na cama
os seus pés no solo pregados...
alfinete, inseto, cortiça.

Sexo na areia movediça:
e a mariposa goza o fado
de um último círio que a chama.

Sinfonia oca: Δ

Vejo um caubói que sobe o morro; secos. O seu cavalo trota, patas secas pingam nota após nota. O dia é pequeno, o mundo quente, a estrada íngreme, não há previsão de alívio todo o amarelo ali sufoca.

Vejo a cauda do rato que escapa, as unhas do rato que escapa, o grito do rato que escapa;

vejo a flor que nasce e é cortada, a flor que nasce mutilada, a flor que rasga e que fronda pelo avesso;

vejo o rio, teu rio meu rio, profusão de água: o rio onde se nada, onde não se é nada.

Nada.

E vejo a morte,
a morte em sua banheira, a morte num quadro de giz, a morte no gesto da embalagem, no estigma do berço, na gargalhada estranha no distante corredor; no clima que sufoca, no amarelo íngreme que é toda a previsão de alívio, na estrada quente, no mundo que é pequeno como o dia.

E é dia. Seco.
Nada.

Dia.

O caubói apressa o passo. O cavalo cansado transpira a espuma do mar. O céu é vasto, depois da aba do chapéu. O morro acaba. A brisa aponta para a descida.

Arfa.
Cospe.

Ri:

não foi
desta vez.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Serotonina

Surte efeito o bilboquê
na criança
que sozinha brinca
sob meus cabelos;

ela, ao jogar
na desavença entre
os seus
e os meus
brinquedos, escolhe dar-me
espanto

ou
contentamento:

a tirania do
seu sorriso
é o que
decreta a minha
própria
fotografia

na incerteza
do momento.

Caso a esgrima de suas
artes
provoque-lhe
qualquer sorte
de angústia ou medo
em mim se abate logo
um calado alarde
um gesto
vazio

um frio
arquear dos meus
artelhos...

E se por vezes seu pequeno
coração
da vela acesa
constrói o gelo
faz-se mau-tempo:
bicho preso
pausa quente, casa escura...

tempestade-estado sem uma possível
destinação.