segunda-feira, 29 de junho de 2009

Passagem - noite

I.

Sonora e cadente, a tempestade é nossa memória de um chuveiro: somos as pálpebras beijadas, somos a falta dos outros, somos a lua quando está numa canção e a estratégia mais leve de uma mente inquieta e feliz: a água é saliva, o vento é um soluço do nosso hálito e das nossas imparcialidades. Completa, a matéria que constituimos é a prévia, a clarividência do passeio enfático e selvagem, a grande cavalgada sem rédeas, a carruagem que desvela o firmamento sedoso e fraterno do veludo.

O relógio é o subúrbio dos acontecimentos.

Não olhamos para frente, apenas para
as mechas e os tremores: grito, coice e trova.

Surjamos
como o sofá vermelho em couro
vermelho em rosa líquida
façamo-nos em facas
em pianos infernais
em pequenas mãos pegando fogo
buscando um motivo sequer para afastar-se
de suas irmãs e de seu copo ambíguo e repleto
de corpos, frugalidades e anseios.

Corramos sem destino. Façamos
o errado, o lastimável
o cru.

Façamos a nós mesmos e sejamos sós.

II.
La Petite Morte

No chão, abríamos as várias portas
comungando da rasteira batalha.
No alto, as estrelas suspiravam tortas
confusas entre corpos e navalhas.
Quantos momentos existiram no início
de tudo, naquela explosão primeira
que não se encontram nesse nosso vício
de guerrear entregando a alma inteira?
Ao conquistar, não ousamos cuidado
no confortável solo de campanha
e crescemos, de estado em estado
até resultar naquele que ganha...
Mas logo se vê: não há vencedores!
Apenas dois mortos, rindo-se em dores...

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